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RETOMANDO...
Não é por acaso que a maioria dos livros de Filosofia começa com a pergunta: "O que é Filosofia?". No entanto, os livros de Matemática e de Literatura, por exemplo, não costumam colocar em questão o que seria a Matemática ou a Literatura. O motivo disso é porque a Matemática não está interessada em saber o que é o número, assim como a Literatura não trata do que é a obra de arte; pelo menos, essas áreas não se aprofundam em investigar a existência de seus objetos. Essas matérias dão maior importância ao modo de funcionamento, ao método, à aplicação da teoria no mundo prático. E, ainda, geralmente focalizam seus interesses apenas em sua área, sem olhar muito para o "terreno do vizinho": o matemático, por exemplo, não tem relação direta com Machado de Assis, nem o literato, com o triângulo retângulo.
Então, de quem é a tarefa de perguntar sobre os conceitos que estão na base da Matemática e da Literatura, e também das ciências em geral? Trata-se, fundamentalmente, de uma tarefa da Filosofia, que, apesar de não estar interessada especificamente pela trigonometria nem pelos seres vertebrados nem pelos cálculos genéticos, é responsável por questionar: o que é o ser? o que é o número? o que é o tempo? Portanto, uma das características que define a Filosofia é a busca pelo conhecimento da realidade.
É importante ressaltar que essa busca pode (e deve) ser feita por qualquer pessoa, fugindo do estereótipo de que o filósofo é um velho barbudo, como se fosse preciso acumular o conhecimento durante toda a vida para ser considerado uma pessoa sábia. Por acaso, os jovens não possuem determinada sabedoria? Logo, não poderiam também filosofar?

O Filósofo em Meditação, 1632 | Musée du Louvre - 28 X 34cm - Rembrandt
A palavra FILOSOFIA vem do grego antigo e é composta por philia, que significa amor ou amizade, e sophia, que quer dizer sabedoria. Portanto, a Filosofia é o amor pela sabedoria. Esse sentimento pelo saber não significa, necessariamente, que o filósofo é um sábio; ele está sempre buscando o saber, o conhecimento. Além disso, amor e amizade são sentimentos que simplesmente acontecem, independentemente da vontade das pessoas. É praticamente impossível impor sentimentos ou vontades a quem quer que seja. Do mesmo modo, para ser realmente um filósofo, é preciso ter amor pelo saber, porque, realmente, assim se deseja.
Contudo, será que definir a Filosofia como o amor pela sabedoria é suficiente? Que tipo de sabedoria deveria ser considerado? Ou seja, sobre que espécie de temas se pode filosofar?
Inicialmente, na Grécia Antiga, os primeiros pensadores estavam preocupados com os fenômenos da natureza e suas relações. Por exemplo, por que existem o dia e a noite? Por que sempre que termina o dia, começa a noite, depois vem o dia e, assim, sucessivamente? Por que as estações do ano se repetem na mesma ordem? Essas eram questões que os primeiros filósofos problematizavam.
Outro grande objeto de pensamento da Filosofia antiga é a moral. Como saber se algo é certo ou errado? Como chegar à felicidade? Como se faz para levar uma vida virtuosa? Reflexões como essas foram a base para o desenvolvimento da Filosofia, embora ela não fosse a única preocupada em responder a tais dúvidas.
ORIGEM DA FILOSOFIA
Do final do século VII ao início do século VI a.C., aparecem os primeiros pensadores cosmológicos, aqueles que foram abandonando a narrativa mítica e, no seu lugar, empregaram um discurso racional sobre a natureza e a ordem do mundo. Todavia, por que foi preciso deixar a mitologia de lado e passar a elaborar outro tipo de discurso? Algumas condições materiais levaram os gregos a ser os precursores da Filosofia.
Os mitos fantasiavam as ilhas e os mares com deuses, monstros e criaturas fantásticas, cenas que enriqueciam, mas, ao mesmo tempo, fugiam à realidade do povo grego.
No entanto, desde o início das viagens marítimas, essas narrativas foram se desmistificando. Somados a isso, a escrita alfabética, o calendário e a moeda foram elementos que contribuíram para o crescimento da racionalidade entre os gregos, de modo que começaram, então, a se apropriar de sua vida cotidiana, sem precisar recorrer aos mitos para se orientar sobre o tempo, sobre o que fazer, de que modo fazer ou como pensar.
Antes de se organizarem em pólis, os gregos já viviam juntos, em famílias e em grupos. Entretanto, o destino desses agrupamentos, segundo suas crenças, era entregue nas mãos dos deuses, que decidiam se a colheita do ano seria farta ou escassa, se os seres humanos seriam felizes e ou desafortunados.
Nesse contexto, nasce, principalmente, a política como fator de apropriação do ser humano pela sua própria organização e destino. Com a pólis, a vida urbana se desenvolve, o espaço público é ocupado, o comércio se intensifica e a aristocracia começa a perder seu poder.
Atenas passa a ser o centro da democracia. Os gregos passam a ser cidadãos. A democracia era direta, ou seja, não havia representantes eleitos. Os cidadãos compareciam às assembleias na praça pública, a ágora, para deliberar, diretamente, sobre as questões pertinentes à sociedade. No entanto, nem todos eram considerados cidadãos. Foram excluídos do direito à cidadania aqueles que eram dependentes, de alguma maneira: as mulheres, dependentes dos homens; os escravos, dependentes dos seus donos; as crianças, dependentes dos seus pais; e os idosos, dependentes dos seus filhos. Além desses, os estrangeiros também não tinham direitos políticos, pois, se tivessem, poderiam decidir algo em favor de seu povo e contra Atenas. Na ágora, era preciso decidir por si mesmo, sem se deixar influenciar por ninguém que tivesse mais poder.
Desse modo, com o desenvolvimento da pólis grega, a Filosofia também acompanha, à sua maneira, os problemas que a sociedade colocava a si mesma.
A figura do filósofo
Conta Diógenes Laércio (no séc. III d.C., escreveu sobre a história da Filosofia) que Pitágoras (580-496 a.C.) comparava a vida com a s festas olímpicas. Essas festas eram os eventos públicos mais importantes da Grécia, nos quais os cidadãos gregos se encontravam para disputar jogos esportivos na cidade de Olímpia e fazer apresentações de teatro, música, dança, poesia, também de modo competitivo. Nesses eventos, havia três tipos de pessoas: as que iam para fazer comércio durante os eventos e, por isso, buscavam apenas lucro, sem verdadeiro interesse pelos jogos; os atletas e os artistas que compareciam para disputar as competições com o objetivo de ganhar e de receber homenagens pela vitória; e, finalmente, aquelas pessoas que iam para ver e avaliar o desempenho dos atletas, bem como para apreciar e julgar a arte. Para Pitágoras, esses observadores eram como os filósofos.
Por essa comparação, é possível concluir que o filósofo da Antiguidade grega não trabalhava por dinheiro, como um comerciante, nem se dedicava às atividades da vida prática em busca de glória, como ocorria nas atividades militares ou artísticas. Seu papel, nesse contexto, era o de contemplar, observar e refletir sobre as atividades dos outros.
Com o declínio dos valores aristocráticos, principalmente, da superioridade militar, do guerreiro corajoso, da virtude entendida como a excelência dos melhores, abre-se um espaço para os valores democráticos, principalmente, do uso da palavra como persuasão, do bom orador nas assembleias. Nasce o cidadão.
Sócrates
Contra a mitologia, contra os valores aristocráticos e também contra os filósofos da cosmologia, aparecem, por um lado, os sofistas e, por outro, Sócrates (470-399 a.C.). Os sofistas ensinavam, em troca de dinheiro, técnicas de argumentação para convencer os ouros do que quer que fosse: um dia convenciam de que determinada ideia estava certa e, no dia seguinte, de que a mesma ideia estava errada. O importante era saber vencer uma discussão na assembleia.
Nesse contexto, apareceu a figura de Sócrates, que criticava os sofistas, acusando-os de não terem amor pela sabedoria (não serem filósofos), já que não buscavam a verdade, mas somente queriam ensinar os jovens a ganhar disputas retóricas. Para Sócrates, antes de conhecer o mundo, o ser humano deveria conhecer a si mesmo. Esta era a tarefa de Sócrates: caminhava pelos espaços públicos, conversava com as pessoas - geralmente os jovens o seguiam - sobre o que elas pensavam e sobre seus valores, como a coragem, a justiça, a beleza, que eram também valores da tradição aristocrática. Um dos jovens que o acompanhava era Platão. Ele relata que, quando alguém dizia que a coragem era o valor mais importante para os gregos, Sócrates perguntava: mas o que é a coragem? As pessoas ficavam perturbadas, porque não sabiam responder, e Sócrates não lhes dava uma resposta: com suas perguntas, ajudava as pessoas a pensarem.
Sócrates não escreveu uma linha sequer; tudo o que se sabe a seu respeito provém de outros filósofos, sobretudo de seu discípulo Platão. Esse fato tem relação com seu método dialógico de investigar os conceitos por meio de perguntas cada vez mais profundas, as quais faziam com que seu interlocutor pensasse e chegasse à própria conclusão, formando suas ideias. Esse método socrático denomina-se maiêutica.
No entanto, Sócrates foi acusado de não reconhecer os deuses da cidade como legítimos e também de corromper os jovens. Quando foi a julgamento, elaborou sua própria defesa perante o júri popular e, utilizando-se da ironia, estratégia retórica bastante comum em seus diálogos, debochou daqueles que o acusavam. Foi condenado à pena de morte, sendo obrigado a beber o chá de uma planta venenosa chamada cicuta. Ironicamente, o filósofo ateniense foi condenado à morte pela própria Atenas.
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